terça-feira, 13 de novembro de 2007

Esta campanha anti-regionalização

A campanha contra a regionalização veste, muitas vezes, o fato da arrogância anti-política e anti-políticos, talhado pela inveja ou a ignorância. A campanha contra a regionalização não é séria, muitas vezes, porque exibe uma imagem falsa da política e dos políticos.
A campanha contra a regionalização não esclarece, porque tem uma qualidade muito inferior à qualidade média da política portuguesa.

A política é nobre e honra quem a faz.
Os políticos são homens e mulheres comuns, que também podem trabalhar nas escolas, nas fábricas, nos bancos, nos escritórios, nos hospitais, nos tribunais, nos campos, no mar. Os políticos são os que nós escolhemos para desempenhar os cargos públicos ou partidários existentes numa sociedade democrática. Os políticos que temos são os políticos que merecemos.Há políticos competentes e há políticos incompetentes, como em todas as profissões. Há políticos honestos e há políticos desonestos, como em todas as profissões. Há políticos que se conduzem por alguma ética e há políticos que são desprovidos de qualquer ética, como em todas as profissões.É certo que os políticos estão descredibilizados. Demasiada gente pensa, por ignorância ou por maldade, que todos os políticos são malandros, enriquecem à nossa custa e não se dedicam à coisa pública.
A classe política é uma classe pouco numerosa, muito fechada e corporativa e em que é difícil entrar. É ainda mais difícil entrar pelo único motivo que devia valer: a capacidade de contribuir para o desenvolvimento da sociedade.
A classe política tem que se abrir e os políticos têm que viver e trabalhar mais perto dos outros portugueses. Os políticos têm que se comportar como representantes dos portugueses e não, só, dos partidos.

Reajo mal aos ataques soezes contra a política e os políticos. Descobri por trás desta campanha a acusação nunca provada que todos os políticos são corruptos. Descobri por trás desta campanha a aplicação de um exemplo do princípio de Peter: os autarcas são tolerados nos municípios e nas freguesias, nos pequeninos poderes, muito divididos, mas não podem ultrapassar esses níveis.
Alguns, mas nem todos, daqueles que pensam desta forma não resistiriam à avaliação da sua própria competência profissional, da qualidade da sua participação cívica e da ética do seu comportamento. Afinal, a classe política é uma amostra representativa dos portugueses.
Ninguém acredita que não haja corrupção, tachos, impostos e dívidas nas Comissões de Coordenação Regional e na administração pública central, como ninguém acredita que nas regiões só se praticassem pecados.
Não aceito que só os poucos políticos que vivem em Lisboa e que tomaram conta dos órgãos de soberania e da administração pública central tenham competência e idoneidade política. São eles, precisamente, os culpados. Já tiveram 20 anos para discriminar positivamente as regiões menos desenvolvidas. Não o fizeram e demonstraram que a desconcentração não é a solução do problema.
Quem pretende manter o país dividido em tão pequenas autarquias, inevitavelmente fracas face ao poder central?
Obviamente, é quem não confia nos autarcas, é quem teme a força e o protagonismo de autarcas regionais, é quem não terá influência regional ou é quem sabe o que é melhor para reinar a partir de Lisboa.
Directa ou indirectamente, os autarcas regionais terão que ser eleitos pelos portugueses.

Se o objectivo desta campanha fosse o esclarecimento da proposta de regionalização, os portugueses já saberiam que os membros das futuras Assembleias Regionais, ao contrário dos da Assembleia da República, não teriam que ser profissionais da política (mas se forem não tem mal nenhum), tal como os membros das Assembleias Municipais e das Assembleias de Freguesia não são profissionais da política; já saberiam que só haveria 398 membros das Assembleias Regionais, mas que os membros das Assembleias de Freguesia são 60000 e os das Assembleias Municipais são 15000; já saberiam que só haveria 44 membros (incluindo os presidentes) de Juntas Regionais, mas que são 6000 os presidentes de Junta de Freguesia, presidentes de Câmara Municipal e vereadores de Câmara Municipal a tempo inteiro ou parcial.
É evidente que é ridículo falar em tachos e em custos dos autarcas regionais;Pelo contrário, os autarcas regionais podem preencher o grande vazio que existe entre os autarcas municipais e os políticos nacionais, as regiões podem ser um alfobre de futuros políticos nacionais e chamar à política quem quer, pode e deve estar na política, mas não quer ir viver em Lisboa.

Se o objectivo desta campanha fosse o esclarecimento da proposta de regionalização, os portugueses já saberiam que as regiões, sendo autarquias locais, não se poderiam endividar para além dos limites razoáveis que são impostos a todas as autarquias locais e ao governo central; já saberiam que o que se pretende não é o lançamento de mais impostos nem a duplicação de taxas ou derramas, mas é inverter a estrutura do investimento público, passando a administração autónoma a ser responsável por todo o investimento e toda a gestão que pode fazer com mais eficiência do que a administração central.
Até a acusação de burocracia vezes 8 é uma impostura. No máximo será burocracia vezes 8 oitavos (que se sabe ser igual a um), e será burocracia na terra de cada cidadão, em vez de burocracia em Lisboa. É muito mais confortável, é muito mais eficiente, é muito mais barato.
O que se pretende é pôr vastíssimos recursos do poder central ao serviço de autarquias locais, nomeadamente as regionais, que substituirão vantajosamente o poder central na coordenação dos municípios.Os argumentos de hoje são iguais aos de há 20 anos. Sempre houve quem não acreditasse no poder local, mas ele desenvolveu-se sem sobressaltos, realizando a obra colossal que se vê em todo o país. Colossal é a obra das autarquias locais.

A regionalização poderá acabar com um não, mas não acabará com um sim. Será sempre dinâmica e melhorará sempre com a experiência, como o restante poder local. Será sempre, simultâneamente, tímida para uns e exagerada para outros. Nada é perfeito, nem definitivo, nem previsível.
É lamentável que esta campanha tenha descido a um nível tão baixo.Eu creio que o fim, qualquer fim, não justifica os meios.


(Por Arnaldo Madureira no blogue "
http://arnaldomadureira.blogs.sapo.pt/" em 1-09-2004)

triporto: link directo para o artigo em causa:
http://arnaldomadureira.blogs.sapo.pt/117685.html

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